Durante muito tempo recebemos um bombardeio de crenças que podem nos ajudar por um lado, mas nos atrapalhar por outro. Isso acontece mesmo que ainda não tenhamos nos dado conta disso. Cada um de nós, sem exceção, além da carga genética que dá as bases de quem nós somos, predizendo as tendências fisiológicas, somos formados em ambientes.
Naturalmente, cada ambiente é diverso. A cultura do(s) lugar(es) que fomos criados, principalmente nos primeiros anos de nossas vidas até início da vida adulta, tem significativa influência em como pensamos. Diferentes crenças são compartilhadas. Invariavelmente, ao aprendermos as tarefas mais básicas que sejam, escutamos também algumas recomendações. Alguns exemplos comuns de crenças repassadas dentro da cultura brasileira:
– Cuidado com a friagem, não vá tomar vento nas costas!
– Não tome banho depois de comer senão terá uma indigestão.
– Para que você está comendo tanto abacaxi? Vai ficar cheio de afta!
Sem contar com a recomendação de vó campeã nas casas brasileiras:
– Pare de andar descalço, senão você vai gripar!
Onde não há vírus, não há gripe. Isso é um conhecimento consolidado na comunidade científica, mas ainda assim, além da intenção positiva, há um conhecimento coincidente nesse ditado das avós: ambientes frios, provocam o deslocamento do sangue das extremidades para interior do corpo, além do ressecamento das mucosas e do decréscimo da temperatura corporal. Todos esses fatores, podem sim, alterar a funcionalidade normal dos órgãos e do sistema imunológico e, assim, caso tenhamos contato com o vírus, seja mais fácil a infecção.
Mas nosso ponto aqui não é analisar os erros e acertos de cada crença que podem ter influência em nossas vidas, mas como o modo que elas influenciam pode ser bastante vantajoso ou desvantajoso para nós. Portanto, analisar como elas nos fazem realizar ou nos impedem de realizar coisas.
Mesmo que ainda sem uma explicação completa e científica, intuitivamente podemos afirmar que é comum irmos mais longe quando acreditamos. Parece que quando temos um motivo para agir ou um exemplo de quebra de paradigma, nós fazemos coisas que nem imaginávamos que daríamos conta!
Um exemplo fortíssimo disso é o fato de que, muitas vezes, alguns recordes que ficam por anos sem quebra começam a ser envoltos em uma espécie de aura que atinge as pessoas, fazendo com que elas comecem a aceitar que aquele recorde é inquebrável. Porém, basta uma pessoa quebrar a marca para várias outras pessoas em seguida superar aquilo que por tempos parecia imbatível.
Balela “neuro-psico-quântica-espiritual”
Antes de argumentar melhor sobre as crenças, vale um aviso aqui. Mesmo que a mente nos pregue suas peças, nos limitando a fazer coisas que poderíamos realizar se ela não nos brecasse, acredito ser de utilidade pública, antes de observar que podemos realizar muito mais coisas do que comumente acreditamos, que o bom senso e a ponderação deveriam base ao tentar responder a pergunta “aquilo que você deseja é ou não possível de se realizar?”.
Há muito picareta ganhando rios de dinheiro, associando muita hipnose (que são sugestões a esse mesmo cérebro que nos prega peças) com sessões catárticas cheias de emoção e ignorância, que fazem muita gente acreditar em coisas impossíveis. Infelizmente, muitas empresas estão fabricando verdadeiros mulheres e homens-bomba por aí a fora.
A ciência é uma ferramenta que o ser humano possui para validar possibilidades e, às vezes por ignorância científica, muitas pessoas são motivadas por praticantes dessa pseudociência, mas vão ao fracasso. Esses irresponsáveis ainda sempre colocam a culpa 100% na pessoa, como se não fossem corresponsáveis. Lamentável.
Mesmo podendo ignorar quem se vale de uma teoria científica densa e de dificílima compreensão como a mecânica quântica, por exemplo, e tenta fundir isso tudo fazendo sincretismos religiosos, podemos perceber que muitas coisas que parecem estar longe de nosso escopo de realização são, sim, possíveis.
Mente e corpo
A ciência não explica tudo. Nem vai! Mas ainda assim, ela pode nos dar boas pistas de onde queremos chegar. Para exemplificar, seguindo essa lógica, é fato que cientistas já constataram que existem conexões entre o cérebro e o sistema imunológico (https://www.sciencealert.com/scientists-discover-never-before-seen-vessels-in-the-brain).
Com isso, podemos perceber ainda mais porque um quadro clínico de depressão, por exemplo, nos deixa mais vulneráveis para desencadear outras doenças, da mesma maneira que sonhos positivos podem desencadear realizações e sucessos.
Até a descoberta dessas conexões do cérebro com os vasos linfáticos, acreditava-se que o único órgão importante sem vasos linfáticos era exatamente o cérebro. Dessa maneira, o cérebro sempre foi tratado separadamente do sistema imunológico. Nos livros de anatomia, as imagens geralmente mostram a formação de nódulos e vasos linfáticos como uma rede complexa em todo o corpo e, até então, essa rede não contemplava o cérebro.
Levando em consideração essa descoberta científica, além de sua própria percepção e reflexão sobre seu próprio corpo, te pergunto: você acha que dá para separar o cérebro do resto do corpo em termos práticos?
Independentemente do problema filosófico sobre a mente e o corpo instaurado pelo filósofo René Descartes desde o séc. XVI e amplamente trabalho por filósofos como John Searle, Thomas Nagel e outros, podemos alinhar esse pressuposto útil aqui para o que desejamos fazer: não é possível tratar mente e corpo como sendo coisas separadas.
O limite das crenças
Mas qual é o limite dessas crenças? Existe um paradoxo chamado de Paradoxo de Sorites (https://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_sorites), também conhecido como paradoxo do monte que pergunta:
“Em que momento um monte de areia deixa de sê-lo quando se vai removendo grãos?”
Essa pergunta é paradoxal não é à toa. É praticamente impossível responder essa questão, pois faltam critérios objetivos para respondê-la. É muito nítido, em outro exemplo, saber se uma pessoa é careca ou se é cabeluda. Mas o momento exato que se passa de um para o outro é nebuloso.
Usando uma metáfora visual, a vida não é feita simplesmente de preto e branco, mas uma escala de diversas cores e matizes que se misturam. Podemos fazer uma analogia e entender que definir o momento exato que uma crença se torna apenas um devaneio ou, por outro lado, algo possível, passa por uma linha tênue que cabe a cada um dizer sobre a sua crença. O máximo que posso fazer são algumas perguntas provocativas e reflexivas para te ajudar a chegar a essa resposta.
No sentido em que conversamos, as crenças podem ser definidas como um conjunto de ideias que nos fazem ter “fé” em algo que seu resultado ainda não pode ser validado empiricamente. Crenças podem nos limitar ou nos possibilitar diante a realização de algo. Acredito, então, que já ficou claro que não estou sugerindo que se eu acreditar que eu posso desenvolver asas só com a força do pensamento, isso irá acontecer.
Não acredito que essa seja uma crença limitante minha, pois me faço várias perguntas provocativas, mas, pense comigo: o que seria de um de nossos maiores inventores, Alberto Santos Dumont, se não fosse sua crença de que ele um dia iria voar como os pássaros?
Muito provavelmente as asas que ele acreditou que um dia poderia criar, não foram as asas desenvolvidas a partir de seu próprio corpo com a força de seu pensamento. Um pouco da vida do nosso inventor foi bem narrada por Miguel Nicolelis no Sempre Um Papo (um evento itinerante de divulgação de livros e autores), onde contou a história da criação de uma utopia científico-social no ex-império dos Tapuia, contada no livro Made In Macaíba.
As crenças de Dumont inspiraram o cientista Nicolelis, e caso essas crenças não fossem possibilitadoras, nem Dumont voava, nem Nicolelis teria construído um dos maiores centros de pesquisas em neurociências com referência internacional no meio do (quase literalmente) nada.
Suas crenças te limitam ou possibilitam?
Qual você acha que será o futuro de alguém que acredita piamente ser incapaz de realizar algo? Que acredita que se não for amado por alguém, será infeliz? Ou que acredita que a pior coisa possível seria ser abandonado por alguém?
Essas e outras crenças fazem parte da vida de milhões de pessoas e o que é mais triste disso tudo é que, na maioria das vezes, essas crenças se encontram totalmente no nível inconsciente de quem as têm. Acontece, inclusive, da pessoa não fazer mínima ideia de que seu comportamento é totalmente influenciado por essas crenças.
Nosso comportamento é quem nos define e quase sempre é inconsciente. Isso é normal, afinal é uma maneira do corpo de economizar energia. Já imaginou se você tivesse que pensar em cada passo para andar? E andar teclando no celular, então?
Depois que aprendemos algo parece fácil. Assim como dirigir ou andar de bicicleta, às vezes esquecemos o tamanho do esforço que tivemos que fazer para aprender aquilo. Depois fica fácil mesmo, fazemos inconscientemente. É por isso que todo dia ao tomarmos banho abrimos o chuveiro com a mesma mão, começamos e terminamos pelas mesmas partes do corpo e escovamos os dentes da mesma maneira rotineiramente. Nossos comportamentos são incorporados como hábitos.
Isso é tão incrível que, se você mora ou morou com mais pessoas, se você prestar atenção, dá pra saber quem está escovando os dentes sem precisar dar uma olhada no banheiro para tirar a prova, apenas observando o padrão dos sons. Assim como acontece quando alguém chega em casa, sabemos quem é o dono daquela pisada.
Se você está pensando com seus botões “Nossa! É mesmo… Nem havia reparado!” acredito que valha a pena se perguntar se você também tem um padrão que foi formado na sua personalidade que te faça se relacionar sempre da mesma forma com as pessoas ou que te faça ter o mesmo padrão de expectativas ao começar uma nova empreitada.
Ainda que inconscientemente, somos movidos pelo que acreditamos. Nossos padrões de comportamento estão fundamentados em nossas crenças e, portanto, são elas que definem quem somos.