casal perfeito

O Casal Perfeito

A porta fecha. Ela o olha com uma cara de quem vai cometer um assassinato qualificado e solta:

– Onde você estava?
– Eu… eu… Nossa! Eu devia ter avisado. Na saída do trabalho o Luiz me ligou, ele estava meio mal, queria bater um papo e…
– Devia ter avisado mesmo! Te liguei várias vezes. Por que você não atendeu?
– Meu celular estava no silencioso e eu estava dando atenção ao Luiz, né?! Ele e a Laura vão se divorciar.
– Pra ele você dá atenção, mas pra mim não! Você nunca avisa… não me atende, não responde às minhas mensagens!
– Ahhh pare com isso, amor! Que drama!!!
– Drama?! Quem está fazendo drama aqui? Só estou constatando uma verdade. Você mesmo admitiu que devia ter avisado.
– Sim, mas eu nem pensei…!
– VOCÊ NUNCA PENSA!!!
– Paaaare de gritar! Pelo amor de Deus!!!

Nesse momento, pela altura da voz dos dois, os vizinhos já começavam a dar notícia de mais uma briga do casal.

– Noooosssa você não vale nada mesmo! Não bastasse o que aconteceu semana passada! Você não sabe respeitar uma mulher. Você não dá valor ao nosso relacionamento. Não é à toa que é amigo do Luiz, aquele cachorro! Aposto que foi porque ele traiu a Laura!
– Você viaja de mais. Sua louca!
– Homem não presta mesmo! Nossa!
– Pelo amor de Deus! Você quer me escutar?
– Escutar o que?!?!

E ele repete tudo de uma forma diferente para se tentar fazer entender. E ela chora todos os seus maus momentos, rebuscando toda dor que ele a fez passar desde o início do relacionamento. Essa cena se repete por diversos lares do país e parece não ter cura.

O jogo de acusações, cheio de crenças e preconceitos, pode trazer uma lição a você, leitor. Antes de entrar na questão, um recado para você, homem: – eu te entendo! Ela é louca; e um recado para você mulher – eu também te entendo! Ele é um grosso sem coração… e louco também.

briga de casal
Fiquem esperto porque elas estão treinando artes marciais

Quando tomamos parte

Se você leu esse diálogo dando razão ou tendo empatia apenas para uma das partes, muito provavelmente aconteceu porque viveu ou ainda vive algo parecido. Nos identificamos com situações semelhantes e nosso cérebro, talvez pelos neurônios-espelho,  é encarregado pelo resto1.

A identidade estabelecida com um dos personagens de maneira mais forte, esconde um viés de cognição que nos impede de nos colocarmos no lugar do outro. Além disso, também dificulta a nossa autocompreensão face a compreensão que o outro tem em relação a nós.

Parece um pouco complicado, mas vai ficar mais fácil. Quantas vezes nos queixamos da compreensão errada que fazem de nós ou até mesmo a falta de compreensão do nosso ponto de vista?

A lição, portanto, então é amadurecer nossa compreensão e capacidade cognitiva para desenvolver melhores diálogos nos relacionamentos mais íntimos. Isso tem a ver com as inteligências emocionais chamadas de intrapessoal e interpessoal, segundo a teoria de Daniel Goleman. Se quiser saber um pouco mais a respeito do assunto, vou deixar um link abaixo. Altamente recomendo esse livro.



Embora a história contada possa ser vivenciada por um casal com pessoas do mesmo sexo, meu foco aqui será na linguagem de cada sexo, afinal, existe estilos muito diferentes em cada um. Embora não haja uma regra necessária, há uma tendência neurofisiológica de comportamentos diferentes entre os sexos.

Enquanto mulheres têm a tendência de usar a linguagem como ferramenta para realçar as conexões sociais, homens tendem a usar a linguagem para exercer dominância e atingir resultados tangíveis. Isso faz com que os homens vejam as conversas como uma maneira de estabelecer status e domínio enquanto as mulheres veem a conversa como objetivo de promover um vínculo íntimo, conversando sobre problemas e questões que enfrentam em comum2.

O papo dos homens

Talvez o homem pode até não perceber uma coisa: toda vez que tem um problema e vai “ligar para o Luiz” na intenção de trocar uma ideia, o que ele espera do amigo são dicas, questionamentos, sugestões ou explicações. É quase como ligar para o suporte para resolver o problema.

Muito provavelmente o homem antes de pedir ajuda já utilizou todas as ferramentas e recursos que ele tinha para resolver a questão. Tentou alternativas de todas as maneiras possíveis que ele poderia imaginar até aquele momento. Isso vale para tudo! Com relacionamentos, trabalho, esporte… tudo! Acontece mais ou menos assim:

– Fala, meu caro! Tudo tranquilo?
– Nó, cara! Estou com um pepino para resolver, meu chefe está me dando mais serviço do que eu aguento. Cara… eu produzo mais que todo mundo lá no escritório e na boa? Não estou afim de pegar horas extras não. Não sei o que faço.

– Tem que saber dizer não. Você já conversou com ele?
– Cara, não dá. O camarada é daqueles “curto e grosso” que chega e fala que quer o serviço até tal hora e sai.
– Pô! Seu chefe sabe que você aguenta o tranco mais que os outros, por isso ele faz o que faz. Então tente o seguinte: quando ele te der outra demanda, escreva um e-mail pra ele na hora elencando todas as demandas que ele te passou com os respectivos prazos. Mostre nitidamente que é impossível terminar no horário que ele deseja de trabalho e pergunte quais são as prioridades de entrega. Volta o pepino para ele, mas faça sem que ele perceba que você está colocando pra ele resolver. Deixe claro que ele vai estar te dando mais uma ordem sobre como fazer.
– É… pode dar certo. Vou tentar! Valeu!
– Espero que funcione. Boa sorte!

Se isso vai dar certo ou não é o que menos importa. O interessante frisar é que ele está chateado com uma situação e não está conseguindo sair, então busca ajuda com o amigo dessa forma.

O fabuloso papo das mulheres

Já com as mulheres… Ahhh com as mulheres… (me permitam dar um grande sorriso aqui! Vocês são demais!! 😅)

Não vou descrever toda a versão feminina do mesmo diálogo ali de cima porque não vai dar tempo, eu tenho que publicar esse texto a tempo! Embora haja estudos desmentindo a ideia de que a mulher fala mais do que o homem, minha experiência diz que nesse tipo de assunto as mulheres iriam render um pouco mais. Seria mais ou menos assim na versão resumida:

– Ai amiga, não aguento mais meu emprego!
– Por que, amiga?
– Todo dia de manhã eu entro na empresa, vou pegar um cafezinho e dou de cara com minha chefe. Lógico que ela já me olha com aquela cara de desprezo. Eu faço de tudo, mas ela não vai com minha cara.
– Nossa!
– Pois é, mas não é só comigo. A maioria das pessoas não falam bem dela. Aposto que ela vai acabar sendo mandada embora. Sabe como é essa coisa de clima organizacional, né?
– Sei bem sim. Nossa!
– Pois é… acredita que um dia…

Aí ela conta um caso de alguns bons minutos que não importaria para a maioria dos homens, nem mesmo a princípio para o objetivo final da conversa, mas acredite, homens: o caso importa naquela situação já que agora você sabe que o foco da conversa é um pouco diferente!

– Ai amiga eu te entendo! Eu já passei por algo semelhante…
– Então, ela está me pedindo tanta coisa com um prazo tão apertado que não sei se vou dar conta!

Aqui ela começa a querer “chorar”. E amiga que é amiga… “chora” junto! Empatia sobra nas mulheres.

– Ô amiga… é muito duro isso!
– Pois é eu já tentei de tudo. Já tentei dialogar. Já comprei bombom. Já chamei para almoçar!
– Nossa!

E depois de muito tempo, uma contando para outra situações semelhantes que já passaram e como resolveram, eis que a dona do problema diz:

– Mas você quer saber? Já sei! Assim que ela me passar a próxima tarefa com hora marcada, vou enviar um e-mail pra ela listando todas as pendências com os prazos que ela pede, para ela perceber que é humanamente impossível entregar da maneira que ela quer, aproveito para perguntar quais são as prioridades de entrega que ela deseja! Afinal, ela sabe que sou uma excelente profissional e não enrolo!
– Isso! Você é ótima!

A diferença está na forma e é por isso que o caso contado dessa forma muitas vezes importa.

Empatia é a chave

Diferente, né? Rs… Claro. Fisiologias diferentes, mas repito que nenhum desses dois diálogos são regras dos respectivos sexos, mas a historinha ilustra metaforicamente a tendência da diferença de como a amiga está lá com ela a apoiando em suas decisões enquanto o amigo não quer saber do sofrimento do parceiro, quer simplesmente ajudá-lo a sair da situação. Expressões diferentes para um mesmo ato de empatia.

Percebendo isso, talvez seja a hora de entender um pouco mais do sexo oposto. Talvez seja a hora de você, mulher, entender e praticar o exercício da percepção de que quando o homem te dá milhares de soluções, enquanto você deseja apenas chorar com alguém que te escute, ele não quer te magoar, ele quer te ajudar!

Talvez seja interessante a utilizar frases como “eu não quero que você me dê soluções, estou só precisando de falar. Você se importa de apenas me ouvir?”. Isso é o “abracadabra” que você talvez possa descobrir.

Por outro lado, talvez também seja o momento de você, homem, entender que muitas vezes elas não querem que vocês falem nada senão onomatopeias de empatia (Hmmm… Oh! Ai! Nossa!). As mulheres costumam ser muito mais fortes do que costumamos supor.

Mais uma vez eu repito para entrar por pressão: é interessante perceber que não existem regras em um relacionamento de sexos opostos. É um desafio diário essa equalização de compreensão e comunicação, que pode ficar muito suave se esse conhecimento for usado com sabedoria, afinal vira hábito. Assim como vira moleza correr 5 km para um casal que corre 10 km todo dia, a comunicação de um relacionamento é nada mais nada menos, que prática!

Então saiba: não existem casais perfeitos. Existem apenas pessoas que se dão bem por algum tempo, anos, ou por uma vida inteira.

O Final da História

E sabe o que aconteceu com o casal lá em cima? Pois é… não deu para eles. Se desgastaram tanto e tanto que terminaram o relacionamento. Várias vezes para ser exato. Um dia, o orgulho dos dois falou mais alto e chegou aquele momento que não teve volta. O bom da história? É que os dois terão a chance de se reeducar e tentar de novo com outro alguém.

Pode ser você! Pode ter sido você.

Diga aí nos comentários: consegue imaginar como o seu relacionamento poderia se sair melhor? Já passou por algo assim?

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1 PASSOS-FERREIRA, C. Seria a moralidade determinada pelo cérebro? Neurônios-espelhos, empatia e neuromoralidade. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21 [ 2 ]: 471-490, n. IMS-UERJ, 2011. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/physis/2011.v21n2/471-490/>.

2 MERCHANT, K. “How Men And Women Differ: Gender Differences in Communication Styles, Influence Tactics, and Leadership Styles. Claremont McKenna College. Claremont. 2012. (Paper 513).

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